quarta-feira, 21 de outubro de 2009

expat



A escada que leva à casa emprestada

Vida de expatriado sempre consiste em um pouco de tudo emprestado. Terra, casa, língua, hábitos e amigos. Eu nem me vejo como uma expat-padrão, já que meu desterro é relativamente curto e eu sou boa de adaptação. Mas tempo longe de casa em algum momento pesa, por segundos que sejam, mas pesa. Não só pelos laços deixados, mas também pelos adquiridos e pelo quadro esdrúxulo que juntos esses elementos compõem.

Para mim ficou claro quando a Maria, a secretária espanhola que alugou o apartamento onde eu vivo, voltou para casa e disse que o pai tinha morrido. Ela está longe há alguns anos, o namorado vive em Londres, a família em Bilbao, ela aqui. Agora vai mudar para ficar com o namorado. Mas no meio do caminho diagnosticaram um câncer no pai, um espanhol turrão e de coração e barriga grandes, a julgar pelas fotos e pela descrição. E então foi rápido. Ela sabia que ele ia morrer do câncer, eu sabia que ela sabia e já andávamos conversando sobre isso, mas aparentemente ninguém supôs tanta rapidez.

Antes de ela ir a Bilbao, conversamos muito, ele ainda vivo, sobre o que ela esperava. Faz dois meses e meio que eu vivo aqui e os laços já existem, mas são incipientes. Mal nos vemos, ela sai cedo e dorme cedo, eu fico enfurnada no trabalho até tarde, ela vai para Londres vira e mexe, e eu estou mais que feliz em poder viajar bastante. Não sei de onde vêm os laços, mas no desterro eles brotam quando não se espera.

Pois Maria estava triste e eu queria muito lhe dar um abraço, porque nessa hora nem eu, faladeira, tenho o que dizer. Mas os laços são incipientes, Maria é europeia e eu, ciosa demais do espaço alheio, sempre tive pouco da mania de encostar tão brasileira.

O abraço, um meio-abraço, ficou para quando ela voltou, com aquela cara de má notícia típica prenunciada por um email telegráfico. O peso do desterro estava em ambas, muito mais nela, aliás, e o estranhamento que veio daquele momento tão íntimo forjado no acaso logo desmoronou diante de uma necessidade de alento tão óbvia e tão primal.

Tenho a sorte de ter aqui uma amiga-quase-irmã (o que me agrega um amigo quase cunhado) e duas outras pessoas bacanas com quem eu posso contar, uma lista extensa de meio-amigos emprestados e todas as traquitanas da comunicação à distância.

Mas depois da cena com Maria, que me despertou a saudade contida dos meus pais e do meu irmão, este domingo foi de despedida sofrida em aeroporto. E a semana até agora contou dois dias com duas conversas com amigos muito queridos _dos que somam centenas de horas boas e ruins compartilhadas_ em momentos em que eu queria muito muito abraçá-los. Mesmo que com o meu meio-abraço envergonhado.

Enquanto isso, lá fora faz três graus.

3 comentários:

Flavia Guerra disse...

às vezes tem varias pedras no meio do caminho do expatriado, seja ele padrão ou não.
mas , como de tudo fica um pouco, de um abraço, mesmo que envergonhado e meio... ou meio envergonhado...ou 'meio real', ja que hoje em dias os abraços usam as traquitanas interneticas e afins para serem dados, fica muito de nós, expatriados, nos outros abraçados.
ou sejE, abrace! sempre!
um abraço de urso pra você, querida!

Unknown disse...

querida Lu, te mando um grande abraco daqui. Sei do que vc esta falando..os meio-amigos, felizmente, vao se tornando amigos-mais-cheios e, sem que a gente perceba, vao preenchendo um pouco do nosso vazio...de novo um daqueles abracos que a as vezes a gente fica envergonhada em dar...mas todo mundo gosta do abraco encorpado e de coracao.

Jana disse...

Já já eu te pego de jeito pra um abraço como se deve -- se não fosse o discurso gigante do venezuelano, teria te agarrado depois do briefing.