sexta-feira, 27 de novembro de 2009

sobre quartos de hotel


A concorrência boa. Eu, você e todos nós

Eu devia ter notado antes que não teria disciplina suficiente para manter um blog. Achei que todas as horas de hotel, com a TV falando línguas que eu não falo, me enviariam para o blog. Eu sempre acho errado. Quem tem ânimo para escrever após trabalhar 15 horas? Quando a coberura é coletiva, então, o seu computador não é o lugar onde você quer encerrar o dia. A mesa do bar parece mais interessante. A rua. Anywhere but here.

Como eu vivo em Genebra e já estou a ponto de tomar café com vizinhos e chope (chope?) com diplomata, nenhum convite digno em lugares como Berlim, Copenhague, Roma, até Bruxelas será recusado por esta notívaga.

Nenhuma boa conversa será trocada por uma tela de LCD, qual seja sua dimensão.

Nenhuma taça de vinho será substituída por uma Coca de frigobar.

(Quando os amigos de estrada não estão, o último a me fazer companhia é Mr. Hemingway, Adeus às Armas).

Mesmo que depois de 15 horas de trabalho. Mas, claro, é por isso que eu estou aqui há três meses e parecem três anos. E o engraçado é que você passa a encontrar as pessoas aleatoriamente em capitais europeias e a achar que isso é normal (para eles até é, mas eu me vou de volta um dia no médio prazo). Você começa a achar que a sua vida completamente anormal e descompassada é normal, afinal, a vida dos seus amigos de estrada também é descompassada (menos que a sua, admitamos). E que trens e aviões e salas de espera são sim lugares perfeitamente cabíveis de se trabalhar e também de dormir.

Mas quartos de hotel... Eu admiro as pessoas que conseguem morar em quartos de hoteis. Porque os trens me levam (eu gosto bem mais dos trens do que dos aviões, admito). Mesmo os aviões... Ok, eu não gosto dos aviões. Mas eles me oprimem menos do que os quartos de hotel, ainda mais os 'hotéis de trabalho', esses de rede, comforts e ibises e holidays inns, desprovidos de qualquer personalidade, de qualquer história divertida, de qualquer funcionário disposto a jogar conversa fora. Às vezes eu fico feliz só com uma boa cama ou um banheiro decente, esse nem é o ponto.

O ponto é que eu nunca, nunca, nunca me sinto tão sozinha quanto nos quartos de hotel. Um vácuo que aumenta proporcionalmente à brancura da parede e à funcionalidade dos móveis.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

89;09


O Ampelmann, uma memória afetiva que os belinenses fizeram voltar


Memória afetiva é um troço engraçado, e às vezes tira da gente nosso melhor sem que percebamos.


Eu havia obcecado com a cobertura do Muro de Berlim. Logo eu, que abomino efeméride. E nem sabia direito por que, era institivo. Atazanei meio mundo. Fiz planos mirabolantes. Insisti na viagem. Ativei bem uma dezena de contatos só para fazer as sugestões. Logo eu, que funciono melhor no improviso.


Pois fui para a Alemanha com um ânimo tirado nem sei de onde depois de tanta insistência e de saber que o plano da concorrência era muito mais mirabolante e vinha sendo bem executado. Eu precisava ver no que tinha dado aquilo, 20 anos depois.


Eu tinha 11 anos quando o muro ruiu. Depois de tanto rememorar percebi que essa era a primeira memória histórica importante que eu tinha. É claro, eu lembro de cenas do comício pelas Diretas Já, mas eu tinha 6 anos então e não entendia o que passava. Com 11, vendo na TV as pessoas arrancarem pedaços daquela parede que eu tinha aprendido que dividia o mundo, era outra história. Afinal, minha mãe é professora de história, eu gostava de ler enciclopédia (ah, a geração pré-google...). E, sim, eu era aquela criança xarope que divertia pais e tios respondendo sem errar nomes de presidentes sul-americanos. Em nomvembro de 1989, na TV, eu via as pessoas festejarem e sabia que a história estava mudando. Foi a primeira vez que pensei que, putz, ser jornalista devia ser muito legal.


Aquilo estava tão encalacrado em mim que eu só me dei conta quando cheguei a Berlim e vi o tal muro, ou as sobras dele, recolocadas e pintadas, no foco de tudo que é turista, mas quase desdenhado pelos berlineses como algo já orgânico à cidade.


Ou um pouco antes, em Dresden e Leipzig, quando comecei a coletar as histórias. Eu tinha, afinal, 20 anos depois, virado de menina curiosa em jornalista de internacional. Mas sem escala de uma a outra, o melhor para mim era continuar a ouvir as pessoas contarem, explicarem, dividirem, opinarem. Isso me fascina hoje tanto quanto quando eu era pequena.


Saí coletando as histórias com tanto interesse que no fim o trabalho foi quase como fazerr um documentário. Eu enxertei o contexto, eu pincei as falas, mas o que eu queria era quase dar as imagens do que eu estava vendo, imagens de um país que tinha mudado, pero no mucho, assim como eu havia mudado mas nem tanto.


E as pessoas, tantas pessoas, foram tão generosas em partilhar, tão pródigas em detalhes, em sensações, em gestos, em opiniões, em informações e em emoção que eu podia deixá-las quase falando sozinhas no texto. E aí me deu uma saudade enorme de quando eu fiz e queria fazer mais documentários. É engraçado como 20 anos historicamente não são nada, nem uma vírgula, mas podem ser um mundo novo.


Dividi da melhor forma que eu pude. E, como não era havia muito tempo, fui completamente feliz com a escolha que eu incoscientemente fiz, naquele dia de 1989, assistindo à TV.