domingo, 31 de janeiro de 2010

planos


O futuro a Deus pertence? O problema é o clichê. E eu sou agnóstica.

Alguém de 31 anos pode parecer incrivelmente novo ou tremendamente velho dependendo do ponto de vista. (Os seis meses sem análise se condensaram nesta semana de reviravoltas.)

Eu me senti absurdamente velha fazendo palestra para os pré-trainees. Explicar o que eu faço hoje, o que eu já fiz , me faz ver que a menina que saiu da ECA em 1999 está a anos luz de distância. Mais estranho ainda é constatar que a que foi para Nova York em 2004 também, mesmo tendo um casamento e passagem por duas das maiores empresas de mídia do mundo nas costas. Irônico que com 26 eu já me sentisse bem mais velha do que o RG diz.

Claro que eu não fiquei falando nada disso para os pré-trainees, sob pena de matá-los de tédio. Mas foi inevitável que, ao me abrir para uma turma que está começando, ao dar conselhos, ao contar experiências, eu fosse forçada a ter uma visão mais panorâmica do que foram esses 12 anos e meio desde que eu entrei na Reuters, ainda lá na Rua Boa Vista, acampada na sobreloja do Banco Real depois do incêndio, e comecei a entender como eles faziam a cobertura de câmbio (o amigo querido que cobria o tema e me ensinou isso, além de muitas outras coisas em jornalismo, hoje manda na bodega toda).

O tempo passou. O tempo passou e eu tenho mais histórias do que pensava sobre viagens, sobre encontros, sobre coberturas, sobre tentativas, sobre erros e acertos, e, principalmente, sobre gente que entrou para a minha vida.

O tempo passou lindamente, e eu tenho certeza que o usei da melhor forma possível, tropeços inclusos nessa conta sem maiores vergonhas. Detesto planos e os evito o quanto puder. Mas se eu fizesse planos em retrospecto eles não seriam muito diferentes. Nem no timing. Às vezes eu passo tanto tempo reclamando por algo isolado que esqueço de quanto eu sou satisfeita. Não com tudo, claro, mas com o todo.

E aí as coisas mudam subitamente no jornal, e nas conversas tantas sobre o assunto, que puxam sempre o 'você vai fazer o que quando voltar', eu me sinto absurdamente nova.

Nova porque eu não sei. O que eu sei é que eu posso aproveitar quase qualquer chance, porque eu não me importo de mudar nem de recomeçar nem de tentar. E, exatamente como a menina que saiu da ECA em 1999, eu acho que muita coisa é interessante e que com tudo se aprende. E essa é a melhor sensação do mundo.

No fim de semana, meus anjos da guarda oficiais me levaram para passear na neve, tomar vinho, comer comida boa e jogar conversa fora. Aí eu tinha três anos. Bom, exceto pelo álcool.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

M. Baudoin

Monsieur Baudoin gosta de por a cara para fora sempre que eu estou saindo de casa, mais ainda se houver pressa ou um táxi esperando. Aí ele emenda uma conversa. Mas até agora meu esforço para ficar brava naufragou.

Meu vizinho de porta é franco-suíço-argelino, nasceu no país africano de pais europeus, de modo que acumula muitos passaportes e mais carimbos ainda. Com cinco anos a família foi para o Marrocos, mas o menino Yvan era inquieto demais para limitar sua coleção de países-lares a dois. Mal chegou a maioridade e ele veio para a Suíça estudar. E mal terminou de estudar resolveu buscar um emprego na Alemanha. M. Baudoin tinha planos mirabolantes, e a fábrica de peças automotivas claramente os estava contendo.

Foi quando ele se candidatou a uma vaga no Brasil. Sem falar português. Que não conseguiu, obviamente, quem mandaria um sujeito de 20 e poucos anos que não fala a língua nem tem experiência na área para uma ditadura tropical no fim dos anos 70? O Brasil já não era o país do futuro e ainda não era a potência midiática que é hoje (porque se há algo em que viramos potência, é no espaço de mídia).

Mas a rota afro-europeia era pouco e ele resolveu que devia ir assim mesmo para o mundo novo. Comprou uma passagem em um transatlântico, "na primeira classe, para fazer contatos", refez o guarda-roupa e passou dois meses entre Gênova e Santos. Diz que conheceu uma princesa (que eu desconeço), mas ela era "infelizmente casada". Diz que conheceu também um punhado de empresários. E entre eles, claro, um empregador francês, porque nenhum chefe visionário deixa alguém intrépido assim passar.

M. Baudoin, então com 28, chegou ao Brasil com emprego certo. Ao contrário do que acontece com quem vem para a Suíça, seus documentos foram emitidos quase na hora. Meu vizinho logo entraria em um ônibus e rodaria o país vendendo inseticidas e outros produtos químicos a grandes agricultores, de São Paulo a Manaus, parando no meio do caminho a ponto de fazer inveja a um mochileiro nativo.

Diz, em seu português bem aprendido, que queria fazer tudo de ônibus para ver um país em mutação. "Só de Manaus para Brasília que não deu." Dos dois anos de viagem tirou ideias, voltou para a França e passou a negociar publicidade entre os dois países. Não tinha Sarkozy nem Lula, não tinha caça nem aliança estratégica, mas M. Baudoin gosta de frisar que antevê coisas. Ele faz dossiês e tem ideias, define.

As comissões ou a milhagem não deviam ser suficientes, porque ele logo tratou de achar um emprego em um banco para trabalhar na África francófona (taí uma expressão que só existe na tese do colonizador, mas vá lá). O banco enrolou e ele trocou pelo concorrente. Foram 14 anos de viagens contínuas, apertos de mãos com gente mais e menos ilustre e uma renca de lembranças.
Depois de achar que já tinha viajado bastante, voltou para uns anos de escritório e se aposentou.

Agora, além de dar sugestões de pauta para a vizinha e comentar o noticiário minuciosamente, M. Baudoin quer voltar ao Brasil. Quer ver se o país que ele vislumbrou vingou. Ou se é só conversa.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

2010 em branco


Conejo congela em Copenhague...


...e se diverte em Barcelona. Não postaremos fotos de faringite nem de BIS.

Felizanonovo.

Depois de um mês lotado pela maratona jornalística (frustrada) em Copenhague, algum trabalho em Barcelona seguido por uma maratona etílica (bem-sucedida), uma faringite aguda e a inebriaaaaante cobertura da reunião do BIS na Basileia, este blog está de volta. Lá fora a neve continua cobrindo a cidade. Aqui dentro, no noticiário, as desgraças seguem pipocando e a TV a cabo não deixa de repetir os mesmos filmes. O ano virou, a vida não. As pautas já se amontoam e as saudades também. Mas como 2009 foi ótimo, podemos continuar na mesma toada.

Peguei o trem da Basileia para cá ontem sem muita vontade de ler. Mr. Hemingway gosta de me acompanhar, mas como eu não estou convicta da paixão dele pela chatíssima Catherine Baker, andamos às turras até que ele volte a ser Hemingway. Por isso o trocava de tempos em tempos pela paisagem branca lá fora. Mr. Reed e Mr. Stipe também insistem, e como eles combinam com a neve achei que poderiam continuar cantando no meu ouvido.

É muito estranha essa sensação de você ter todo mundo e não ter ninguém. Não passo um dia em que não fale com namorado/mãe/pai/irmão/amigos de lá/amigos de cá/colegas (não todos de uma vez, obviamente). É como se as 'minhas' pessoas estivessem sempre sempre me acompanhando, ao menos virtualmente.

Mas elas não estao aqui. Elas não são pegáveis. E no trem, na neve, na viagem que não acaba e na paisagem que não muda, nas horas de aeroporto, nos intermináveis escrutínios de segurança que devem agora se tornar muito mais rápidos, não há ninguém nunca. Nem virtualmente. Deve ter sido assim que eu comecei a relacionar o Hemningway e o Lou Reed com esse pertencer sem pentercer.

O trabalho que eu escolhi me empurrou para isso de bom grado. Paradoxalmente, ele não é nada solitário. Eu tenho meus amigos de viagem já, ainda que eles trabalhem para a concorrência. Eu encontro meus amigos de jornal em megacoberturas e ainda descubro que a masmorra tem mais gente bacana do que eu pensava. A gente esbarra por gente legal por aí que nunca viu antes (Maria Luisa, Cesare, Sven, Dictte, Tine, é tipo um time da Benetton). E encontra pessoas queridas perdidas por aí (Roberto e Talita, Renate, Tuca, Mme. Cintiá, James, Vini, Pedro, Cami _é uma equipezinha de globetrotters).

Mas são indas e vindas. Tantas que mesmo com os meus amigos de Genebra eu não consigo passar muito tempo, e logo logo eles se somarão a minha coleção particular de ausências também.
O que me enche (no bom sentido) é o meu trabalho, que mesmo quando eu detesto e canso continua sendo fascinante. Eu nunca aprendi tanto. Eu nunca vi e ouvi tanto. Eu nunca fui tão independente naquilo que eu faço (talvez independente até demais, mas vá lá) nem tão feliz fazendo.

Por que entre as duas sensações tem de haver um oceano?