segunda-feira, 26 de outubro de 2009

morrendo pela boca


A pujante Genebra à noite. É por isso que não se recusa convite para jantar por aqui

Minha lista de pautas propostas parece o meu cardápio deste fim de semana: feijoada e fondue. E vinho e caipirinha, naturalmente. Ou seja, a ideia parece ótima e você nem morre por isso, mas o interim de digerir a coisa te faz pagar seus pecados.

E por que no meio ainda não ver o filme (ótimo e indigesto) do Haneke? Porque afinal na véspera eu vi uma animação da Pixar, e para que terminar o fim de semana com a sensação de que o mundo é bom se você sempre pode lembrar que o mal pode estar em todos os lugares?

Eu sei que eu invento coisas demais para fazer do que é humanamente capaz. E depois eu faço todas elas e me acabo. Ou não faço todas e me frustro.

Agora, é claro, eu tenho uma lista interminável de coisas em que trabalhar. E sexta-feira finalmente embarco para uma pauta na qual insisto há dois meses. E estou ansiosa, porque falta mais planejamento. E agenda. Fiquei estudando e não apurando.

Para quem ainda acha que vida de correspondente é glamour, não sabe das horas que passamos nos desenroscando de burocracias, bancando agentes de viagem e resolvendo problemas da vida prática que crescem exponecialmente quando você está em um lugar por um tempo longo o bastante para não chamar de viagem e curto o suficiente para não chamar de mudança.

Pensando bem, não são as pautas que parecem feijoada com fondue. É a minha vida.

É tudo uma delícia, mas exaure.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

expat



A escada que leva à casa emprestada

Vida de expatriado sempre consiste em um pouco de tudo emprestado. Terra, casa, língua, hábitos e amigos. Eu nem me vejo como uma expat-padrão, já que meu desterro é relativamente curto e eu sou boa de adaptação. Mas tempo longe de casa em algum momento pesa, por segundos que sejam, mas pesa. Não só pelos laços deixados, mas também pelos adquiridos e pelo quadro esdrúxulo que juntos esses elementos compõem.

Para mim ficou claro quando a Maria, a secretária espanhola que alugou o apartamento onde eu vivo, voltou para casa e disse que o pai tinha morrido. Ela está longe há alguns anos, o namorado vive em Londres, a família em Bilbao, ela aqui. Agora vai mudar para ficar com o namorado. Mas no meio do caminho diagnosticaram um câncer no pai, um espanhol turrão e de coração e barriga grandes, a julgar pelas fotos e pela descrição. E então foi rápido. Ela sabia que ele ia morrer do câncer, eu sabia que ela sabia e já andávamos conversando sobre isso, mas aparentemente ninguém supôs tanta rapidez.

Antes de ela ir a Bilbao, conversamos muito, ele ainda vivo, sobre o que ela esperava. Faz dois meses e meio que eu vivo aqui e os laços já existem, mas são incipientes. Mal nos vemos, ela sai cedo e dorme cedo, eu fico enfurnada no trabalho até tarde, ela vai para Londres vira e mexe, e eu estou mais que feliz em poder viajar bastante. Não sei de onde vêm os laços, mas no desterro eles brotam quando não se espera.

Pois Maria estava triste e eu queria muito lhe dar um abraço, porque nessa hora nem eu, faladeira, tenho o que dizer. Mas os laços são incipientes, Maria é europeia e eu, ciosa demais do espaço alheio, sempre tive pouco da mania de encostar tão brasileira.

O abraço, um meio-abraço, ficou para quando ela voltou, com aquela cara de má notícia típica prenunciada por um email telegráfico. O peso do desterro estava em ambas, muito mais nela, aliás, e o estranhamento que veio daquele momento tão íntimo forjado no acaso logo desmoronou diante de uma necessidade de alento tão óbvia e tão primal.

Tenho a sorte de ter aqui uma amiga-quase-irmã (o que me agrega um amigo quase cunhado) e duas outras pessoas bacanas com quem eu posso contar, uma lista extensa de meio-amigos emprestados e todas as traquitanas da comunicação à distância.

Mas depois da cena com Maria, que me despertou a saudade contida dos meus pais e do meu irmão, este domingo foi de despedida sofrida em aeroporto. E a semana até agora contou dois dias com duas conversas com amigos muito queridos _dos que somam centenas de horas boas e ruins compartilhadas_ em momentos em que eu queria muito muito abraçá-los. Mesmo que com o meu meio-abraço envergonhado.

Enquanto isso, lá fora faz três graus.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

beijo, abraço, aperto de mão


O presidente desaba e a repórter erra o foco

(com as devidas desculpas pela demora. foram dias de caos e ranger de dentes)

Saí de Copenhague com a pecha de "a moça que o presidente abraçou". Abraçou, deu tapinha na cabeça, beijinho de tchau e nenhum resposta. Aliás, deu resposta, mas para a pergunta que ele inventou na cabeça dele, não as minhas.

É claro que ele abraçou coleguinhas também. Mas só eu tive de escrever isso no texto. E ainda agora recebo e-mails diários conta.

Luiz Inácio estava derretendo todo mundo em Copenhague, aquela terra fria e chuvosa. Na mesa de trás uma delegada americana conversava com argentinos que diziam que o presidente dela, o Obama, era o máximo. "Mas vocês já viram o do Brasil? Que figura especial, que pessoa bacana. Eu acho que ele leva."

Pois Luiz Inácio levou. Passou três dias em uma tensão de colocá-lo à beira do choro, mas levou. Perguntei depois como é que aquele sucesso todo, tão colado à imagem dele como foi construído, ia sobreviver ao seu mandato. E o presidente foi o político que é. Disse que o trabalho era do Itamaraty. Logo atrás o ministro Amorim, aquele mesmo que seria chamado em um artigo da Foreign Policy dois dias depois de "o melhor chanceler do mundo", sorria exultante _e eu não me lembro de já ter visto o Amorim exultante.

O Brasil levou tão bem que ganhou claque dos coleguinhas. De um dia para o outro, todos os problemas se dissiparam, todas as perguntas sérias foram esquecidas, todas as confrontações, abandonadas. É claro que jornalista pode ter coração, mas foi a entrevista coletiva mais ridícula que eu já vi. Até coleguinha experiente e culto fazendo pergunta cretina. Para não falar dos cretinos fazendo perguntas hipercretinas.

E eu achando que o presidente dera uma gafe internacional ao dizer que no Japão se dá bom-dia a um premiê e boa-noite a outro. Mas naquele dia ele podia tudo. A coleguinha japonesa do meu lado estourou de rir.

E então Luiz Inácio chorou. Aí... Aí não teve para mais ninguém.