quarta-feira, 7 de abril de 2010

Praga


Não sei se minha conta de saguão de aeroportos já bateu nos 50 (até o das Ilhas Jersey eu conheço, mesmo sem conhecer as ditas), mas calculo que algo entre uma semana e um mês da minha vida tenha sido perdido entre chegadas e partidas. Hoje mais uma, e as despedidas são cada vez mais doídas. E cada vez mais constantes, com você espalhando pedaços em diferentes cantos.
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Não sei se minha conta de cidades visitadas já passou das cem, mas a de revisitadas é bem curta. E a páscoa foi para rever aquela que eu acho a mais bonita no mundo, embora haja gente que insista em dizer que é o Rio de Janeiro. Não é, é Praga com suas ruelas estreitas, suas pontes com estátuas debruçando-se muito ousadas sobre o rio Vltva e as igrejas de torres góticas e pedra encardida se amontando em praças e qualquer outro lugar onde houver uma brecha no meio dos telhadinhos vermelhos, com o espírito do Kafka bem provavelmente vagando aqui e ali.

O céu não arroseou como da outra vez, atendo-se a um vermelho esmaecido e depois já um roxo de chegada de primavera. Mas as luzes encheram as marugadas todas, fazendo a cidade transbordar do real ao sonhado, entre sombras e brumas e névoas e brilhos, as tantas estátuas ganhando projeção sem os turistas para se amontoar sobre elas, a torre falsamente prateada cismando em sair por entre os andaimes que já recobrem boa parte da Karlov Most, os restaurantes abertos com o cheiro de comida quente, gulash, sopa de abóbora, pato, e a cerveja enchendo todos os copos, dourada, amarga, encorpada, generosa.

Mas as hordas em rondas eram novas, novas e muito incovenientes, recobrindo todo o espaço nas calçadas e ruas, nos paralelepípidos, nos bondes, nos táxis, nos prédios, nas naves e nas torres, a andar em bandos, em blocos, em arrastão para enloquecer qualquer acrofóbico. Uma progressão geométrica para 1999, quando eles já não eram poucos, mas quando a cidade ainda recebia eslovacos e romenos e tinha mendigos nas praças, o inglês era raro, as lojas de suvenir contáveis e os preços risíveis.

Agora não, agora Praga ainda é a cidade mais bonita do mundo, o castelo no alto vigiando tudo, os telhadinhos lá embaixo, o rio, e mesmo os bairros afastados com seus incontáveis prédios produzidos em linha de montagem pelos programas habitacionais comunistas em uma simpática harmonia que os torna muito mais afáveis que os de Moscou. Mas aí tem o barco oferencendo o 'cruzeiro com jantar e jazz', as excursõs em segways, os bares com música pasteurizada, e toda a sorte de cafonaria, badulaques, menus turísticos e o que o seu bolso cobiçar. Alguma coisa da Praga que eu vi em 1999 não tem lugar em 2010, não existe mais, a cidade borbulhou para perder um pouco da sua essência. De tudo que um dia foi chamado de Leste Europeu talvez nada seja tão ocidental quanto ela, tão pronta agora ao gosto do freguês.

Amanhã Barack Obama e Dmitri Medvedev fazem de Praga o palco de seu novo tratado desarmamentista, e os praguenses contavam orgulhosos aos poucos americanos, 'você sabia que seu presidente estará aqui amanhã?' Não, eles não sabiam.
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Me pediram para gravar um vídeo-conselho para quem está na faculdade de jornalismo. Eu não consegui e nem ninguém que está aqui está na faculdade de jornalismo, mas eu quero registrar mesmo assim: gaste todo o dinheiro que você puder viajando.

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