quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

M. Baudoin

Monsieur Baudoin gosta de por a cara para fora sempre que eu estou saindo de casa, mais ainda se houver pressa ou um táxi esperando. Aí ele emenda uma conversa. Mas até agora meu esforço para ficar brava naufragou.

Meu vizinho de porta é franco-suíço-argelino, nasceu no país africano de pais europeus, de modo que acumula muitos passaportes e mais carimbos ainda. Com cinco anos a família foi para o Marrocos, mas o menino Yvan era inquieto demais para limitar sua coleção de países-lares a dois. Mal chegou a maioridade e ele veio para a Suíça estudar. E mal terminou de estudar resolveu buscar um emprego na Alemanha. M. Baudoin tinha planos mirabolantes, e a fábrica de peças automotivas claramente os estava contendo.

Foi quando ele se candidatou a uma vaga no Brasil. Sem falar português. Que não conseguiu, obviamente, quem mandaria um sujeito de 20 e poucos anos que não fala a língua nem tem experiência na área para uma ditadura tropical no fim dos anos 70? O Brasil já não era o país do futuro e ainda não era a potência midiática que é hoje (porque se há algo em que viramos potência, é no espaço de mídia).

Mas a rota afro-europeia era pouco e ele resolveu que devia ir assim mesmo para o mundo novo. Comprou uma passagem em um transatlântico, "na primeira classe, para fazer contatos", refez o guarda-roupa e passou dois meses entre Gênova e Santos. Diz que conheceu uma princesa (que eu desconeço), mas ela era "infelizmente casada". Diz que conheceu também um punhado de empresários. E entre eles, claro, um empregador francês, porque nenhum chefe visionário deixa alguém intrépido assim passar.

M. Baudoin, então com 28, chegou ao Brasil com emprego certo. Ao contrário do que acontece com quem vem para a Suíça, seus documentos foram emitidos quase na hora. Meu vizinho logo entraria em um ônibus e rodaria o país vendendo inseticidas e outros produtos químicos a grandes agricultores, de São Paulo a Manaus, parando no meio do caminho a ponto de fazer inveja a um mochileiro nativo.

Diz, em seu português bem aprendido, que queria fazer tudo de ônibus para ver um país em mutação. "Só de Manaus para Brasília que não deu." Dos dois anos de viagem tirou ideias, voltou para a França e passou a negociar publicidade entre os dois países. Não tinha Sarkozy nem Lula, não tinha caça nem aliança estratégica, mas M. Baudoin gosta de frisar que antevê coisas. Ele faz dossiês e tem ideias, define.

As comissões ou a milhagem não deviam ser suficientes, porque ele logo tratou de achar um emprego em um banco para trabalhar na África francófona (taí uma expressão que só existe na tese do colonizador, mas vá lá). O banco enrolou e ele trocou pelo concorrente. Foram 14 anos de viagens contínuas, apertos de mãos com gente mais e menos ilustre e uma renca de lembranças.
Depois de achar que já tinha viajado bastante, voltou para uns anos de escritório e se aposentou.

Agora, além de dar sugestões de pauta para a vizinha e comentar o noticiário minuciosamente, M. Baudoin quer voltar ao Brasil. Quer ver se o país que ele vislumbrou vingou. Ou se é só conversa.

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