sexta-feira, 13 de novembro de 2009

89;09


O Ampelmann, uma memória afetiva que os belinenses fizeram voltar


Memória afetiva é um troço engraçado, e às vezes tira da gente nosso melhor sem que percebamos.


Eu havia obcecado com a cobertura do Muro de Berlim. Logo eu, que abomino efeméride. E nem sabia direito por que, era institivo. Atazanei meio mundo. Fiz planos mirabolantes. Insisti na viagem. Ativei bem uma dezena de contatos só para fazer as sugestões. Logo eu, que funciono melhor no improviso.


Pois fui para a Alemanha com um ânimo tirado nem sei de onde depois de tanta insistência e de saber que o plano da concorrência era muito mais mirabolante e vinha sendo bem executado. Eu precisava ver no que tinha dado aquilo, 20 anos depois.


Eu tinha 11 anos quando o muro ruiu. Depois de tanto rememorar percebi que essa era a primeira memória histórica importante que eu tinha. É claro, eu lembro de cenas do comício pelas Diretas Já, mas eu tinha 6 anos então e não entendia o que passava. Com 11, vendo na TV as pessoas arrancarem pedaços daquela parede que eu tinha aprendido que dividia o mundo, era outra história. Afinal, minha mãe é professora de história, eu gostava de ler enciclopédia (ah, a geração pré-google...). E, sim, eu era aquela criança xarope que divertia pais e tios respondendo sem errar nomes de presidentes sul-americanos. Em nomvembro de 1989, na TV, eu via as pessoas festejarem e sabia que a história estava mudando. Foi a primeira vez que pensei que, putz, ser jornalista devia ser muito legal.


Aquilo estava tão encalacrado em mim que eu só me dei conta quando cheguei a Berlim e vi o tal muro, ou as sobras dele, recolocadas e pintadas, no foco de tudo que é turista, mas quase desdenhado pelos berlineses como algo já orgânico à cidade.


Ou um pouco antes, em Dresden e Leipzig, quando comecei a coletar as histórias. Eu tinha, afinal, 20 anos depois, virado de menina curiosa em jornalista de internacional. Mas sem escala de uma a outra, o melhor para mim era continuar a ouvir as pessoas contarem, explicarem, dividirem, opinarem. Isso me fascina hoje tanto quanto quando eu era pequena.


Saí coletando as histórias com tanto interesse que no fim o trabalho foi quase como fazerr um documentário. Eu enxertei o contexto, eu pincei as falas, mas o que eu queria era quase dar as imagens do que eu estava vendo, imagens de um país que tinha mudado, pero no mucho, assim como eu havia mudado mas nem tanto.


E as pessoas, tantas pessoas, foram tão generosas em partilhar, tão pródigas em detalhes, em sensações, em gestos, em opiniões, em informações e em emoção que eu podia deixá-las quase falando sozinhas no texto. E aí me deu uma saudade enorme de quando eu fiz e queria fazer mais documentários. É engraçado como 20 anos historicamente não são nada, nem uma vírgula, mas podem ser um mundo novo.


Dividi da melhor forma que eu pude. E, como não era havia muito tempo, fui completamente feliz com a escolha que eu incoscientemente fiz, naquele dia de 1989, assistindo à TV.

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